História de uma flor
A flor vermelha, desde que tivera a cor que o sol lhe
havia dado, começara breve a vida,
a
sua verdadeira vida ligada à terra.
E em vida sorriu. Vida breve de flor que em breve iria
morrer.
Mas continuaria.
(…)
Pela mão de uma criança, filha dos homens, separou-se
da terra, partiu.
A mãe recebeu a flor da mão do filho e sorriu:
— Sabes que esta flor tem milhões de irmãos? –
perguntou-lhe.
— Ela vivia tão só, no charco dos sapos… - observou a
criança.
— Onde estão eles, os irmãos?
— Vem ver…
E a mãe deu-lhe a mão direita muito
suave e segura enquanto a esquerda prendia a flor.
E ambos caminhavam pelas ruas.
Nas ruas havia flores vermelhas por toda a parte. No
peito das mulheres, dos homens, nos
olhos
das crianças, nos canos silenciosos das espingardas.
Nem era uma guerra, nem uma festa.
Era o mundo de coração aberto.
O menino, espantado, olhava tudo e todos, e sua mãe.
O menino que fugira pela madrugada diferente para
encontrar a flor solitária.
E viu que a mãe chorava.
De alegria.
E com sua mão de seda pura limpou-lhe as lágrimas
transparentes.
Ambos haviam entendido a alegria única das flores
cortadas. No peito de toda a gente.
E continuaram a caminhar pelas ruas húmidas de
alegria.
Rios livres a correrem para o mar.
Numa esquina encontraram o pai, com uma flor ao peito.
Abraçaram-se os três, sorrindo.
Como
se abraçassem o mundo inteiro.
E continuaram a caminhar.
Matilde
Rosa Araújo, História de uma flor, Editorial Caminho, 2008 (texto com
supressões)
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